Como e por quê criar um espantalho


Depois da ditadura militar, que acabou em 1985 e entregou um Brasil endividado, estagnado e com
inflação nas alturas, a direita brasileira se encolheu e se camuflou. Até 10 anos atrás, nenhum partido
político se autodenominava “de direita”. No máximo havia os “de centro” como o PFL (antes PDS, depois
Democratas) mais conservadores, ou os liberais. como o PL e o PTB. Ninguém ou quase ousava se
anunciar de direita.
No final do primeiro governo Lula isso começou a mudar. O chamado escândalo do mensalão fez certas forças políticas perceberem que havia uma brecha para reverter a hegemonia que a centro esquerda havia alcançado no Brasil desde o governo de Itamar Franco (vamos aqui conceder que o governo de FHC não foi direita, apesar de tudo). Mas como aproveitar essa brecha?
O discurso contra a corrupção é um cavalo selado que passeia na história política brasileira há décadas. Serviu para minar Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek, serviu ao PT que esbravejava contra os escândalos da privatização de FHC. Quem não se lembra da “privataria tucana”?
Já no governo do PT, começou a ser usado na campanha presidencial de 2006, quando seus opositores
foram impiedosos em martelar o “petrolão”. Apesar disso, Lula ganhou a eleição no segundo turno e
terminou seu segundo mandato com recorde de aprovação popular. Mas o cavalo continuava solto, e foi montado a partir de 2014, com o início da Operação Lava Jato.
De nada adiantaram os expurgos que Dilma Rousseff fez logo no início do seu mandato, demitindo vários ministros acusados de “mal feitos” como ela gostava de denominar. O ataque foi se sistematizando a partir do momento em que a Lava Jato virou uma fábrica de notícias, e de factoides, quase diários de coisas escabrosas que teriam ocorrido no governo Lula. Daí a petralha virar a palavra da moda, foi um passinho.
Mesmo depois de mais 8 anos de ataques intensos e diários em toda a grande mídia, veja só, Dilma
Rousseff, o poste de Lula, conseguiu se reeleger. Seu impeachment ocorreu por uma miríade de razões que vão desde sua inabilidade para lidar com a crise política e econômica, passando pela misoginia da elite brasileira e terminando na necessidade da classe política de estancar a sangria da caça às bruxas promovida pela Lava Jato que a presidenta deixava correr solta.
O fato é que, apesar disso tudo e contra todas as apostas de tucanos e emedebistas e jornais e TVs, Lula passou os 8 primeiros meses de 2018 em primeiro lugar disparado em todas as pesquisas de intenção de voto, mesmo depois de preso - veja só novamente como essa esquerda é resiliente ou nas palavras folclóricas de Lula, como é difícil de matar a jararaca.
Pois é, mas, na verdade, são dois os cavalos selados que passeiam pela história brasileira. O outro é o do comunismo e das pautas morais. Este funcionou em 1964 e funcionou novamente na eleição de Collor em 1989 (símbolo do seu anacronismo, ano da queda do Muro de Berlin). O pessoal hoje acha que inventou a frase “nossa bandeira jamais será vermelha”, mas Collor já bradava isso há 20 anos.
Para um cidadão ilustrado e não encurralado pelas vicissitudes das carências materiais ou pela violência e medo endêmicos, pode parecer extemporâneo e bizarro que bradar contra o comunismo faça sentido para alguém no Brasil no final da segunda década do século XXI. Mas é preciso lembrar que esse comunismo do MBL e dos bolsonaristas é só um nome genérico que serve para conjurar o medo pelas conquistas sociais de mulheres, pobres, negros, LGBTs. Para uns, o medo de que o mundo de privilégios que eles conhecem seja invadido por negros tornados médicos e engenheiros, por homens que se beijam na rua, por mulheres que desfilam sem sutiã se auto denominando vadias. Para outros, o medo de que o pouco que conseguiram não seja devidamente valorizado unicamente como fruto do seu esforço pessoal tão esforçado e pelas graças que Deus resolveu conceder apenas a eles e não àquele craqueiro da esquina que estava começando a achar que também pode ter direitos.
Nossa história mostra que a corrupção e o comunismo sempre foram usados como armas políticas que criam espantalhos poderosos. Juntos, são imbatíveis. Não importa quão surrados estejam nem que sejam levantados pelo grupo político mais desqualificado que este país já produziu.

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