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As metades da laranja

Quando Deus fez as metades da laranja não pensou que uma pequena imprecisão, aliada às mazelas da razão e da sensibilidade, poderia gerar incontáveis desacertos. A engenharia humana é falha. Pontes e edifícios caem. Mais falha ainda é a arquitetura. O mundo é povoado por equívocos de concreto e aço. A laranja exigiria uma argúcia da qual somos desprovidos. Seguimos erráticos, procurando cegos aquele ou aquela que nos falta. Um belo dia, não importa se ensolarado ou chuvoso, encontramos nosso tesouro. A outra laranjinha incompleta. Daí nos embebedamos de nossa descoberta. Passamos noites em claro e dias insones, tomados de alegria e de outra coisa desgovernada para a qual nem temos um nome. Foi a mágica, foi o milagre. E passam os dias e passam as noites.  A alegria vai se tornando amarga e o encaixe parece falhar, como as dobradiças da velha porta que começa a ranger. A outra metade  perfeita  não era a nossa. O plano divino, sua diligência em que não nos faltasse nada, derrapou n

O crepúsculo dos deuses

Domingo de sol, feirinha, comprando uma dessas coisas de utilidade duvidosa (todo mundo tem direito às suas pequenas fraquezas). A guria ao lado, vinte e poucos anos, o cabelo com as devidas chapinha e mechas loiras, a bolsa louis vuitton e o namorado a tiracolo, olha a imagem, metro e meio de distância e dispara: acho que vou comprar aquela da mulher. Insiste duas vezes: é melhor eu comprar a da mulher (as outras peças estampavam marcas de automóveis). Pechincha. O vendedor, irredutível, argumenta com os custos da produção. Desiste. Sai infeliz com o namorado que tinha concordado que a  da  mulher era a melhor escolha. "A mulher" era Marilyn Monroe, exuberante numa foto clássica.