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Mostrando postagens de fevereiro, 2020

Fabricando jeans e meritocratas

Muitos temos noa perguntado como as periferias e o interior do Brasil puderam aderir tão fortemente a certos preceitos do ultraliberalismo, como a meritocracia, em um ambiente tão desigual quanto o brasileiro. E ainda, como a perda de direitos que tinham décadas de existência, como os da CLT, puderam ser suprimidos sem que houvesse grandes protestos ou, ao menos, uma comoção social. As respostas são complexas e provavelmente ainda não conhecemos todas as suas camadas, que só serão perceptíveis na decantação do tempo histórico. Disponível na Netflix, o documentário “Estou me guardando para quando o carnaval chegar” de Marcelo Gomes, pode nos dar uma pista, entretanto, de uma das variáveis que está em jogo. Marcelo Gomes, que já fez “Cinema, aspirinas e urubus”, vai ao encontro da pequena cidade de Toritama, no agreste pernambucano. Em sua infância, ele visitava o vilarejo em companhia do pai. Era então uma cidade rural dominada pelos pequenos agricultores e pelo silêncio. O lugar

Por que o autoritarismo deu match com o ultraliberalismo? Ou o flerte com o AI-5

Pela segunda vez em menos de dois meses um membro do governo Bolsonaro recorre ao AI-5 para intimidar adversários. Eduardo Bolsonaro procurava uma resposta a possíveis protestos no Brasil, como os que ocorreram no Chile. Paulo Guedes acena com a forma mais dura do autoritarismo brasileiro para conter o povo na rua, posição defendida por Lula. Ambos falaram e aparentemente voltaram atrás. Só que não. Estamos longe do reconhecimento de que um limite do enquadramento constitucional foi rompido e é preciso recuar. Antes, são declarações que cumprem uma missão e esta já está realizada no momento mesmo de sua enunciação. Aquilo que parecia intolerável é aplaudido em praça pública e mobiliza a matilha bolsonarista. Tanto que essa estratégia de dizer e desdizer é reiterada e sistemática, uma vez que o bloco no poder abusa de declarações e iniciativas reconhecidamente antidemocráticas. As declarações abrem alas para proposições concretas, como o projeto que ressuscita o excludente de ilicitu

As lições aprendidas pelos Bolsonaro

Em maio de 2017, vazou o áudio de um diálogo entre Michel Temer e Joesley Batista em que se revelava  a promiscuidade escandalosa entre o público e o privado. Joesley Batista, dono da JBS, empresa bilionária do setor de alimentos, frequentava o Palácio do Planalto em altas horas e fora da agenda oficial para tratar de seus interesses e das propinas pagas a outros políticos, como o ex-presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, já preso. Ficou famosa a frase do presidente, “tem de manter isso aí, viu?”. O mundo veio abaixo. Um colunista do Globo chegou a afirmar que Temer renunciaria, e o grupo Globo começou uma campanha por sua renúncia. Houve muito baralho. Mas todos conhecemos o desfecho dessa história. Temer teve  sangue frio para deixar a poeira assentar e terminou seu mandato tranquilamente.  Cito este entre dezenas de outros exemplos recentes de como, no mundo contemporâneo  da internet e das redes sociais, nada permanece por mais de algumas horas ou dias na pauta. E

A sombra do golpe como método de governo

Os flertes de Bolsonaro com uma ideia de golpe é antiga. Ele nunca teve nenhum escrúpulo de defender abertamente a ditadura de 1964. Não o apoio circunstanciado daqueles saudosos que imaginam que se vivia melhor no império quimérico da lei e da ordem. Não como o efeito colateral de uma necessidade histórica de conter a “ameaça comunista”, como foi o caso de muitos dos generais do Exército. Ele sempre esteve além disso. Bolsonaro é visceralmente golpista; um regime de exceção o delicia. Durante sua longa carreira como parlamentar,  defendeu orgulhosamente o lado podre do regime, a tortura e os torturadores. Queria que tivesse havido mais assassinatos. Sua convivência com o pessoal dos porões demonstra afinidade afetiva. Suas relações com a milícia do Rio são mais profundas que um esquema que lhe permitiu acumular eleições (as suas e as dos filhos) e poder e patrimônio. São seus amigos, os camaradas que frequentam sua casa, seus vizinhos, seus testas de ferro. Seus sócios, aqueles nos