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Mostrando postagens de setembro, 2019

As palavras e as coisas

Neste país de pouco apreço pelo estudo, pela reflexão, pela compreensão, as palavras têm valor de verdade. Se repetidas à exaustão criam "verdades", cada vez mais difíceis de serem refutadas. Alguns por aí, bem mais espertos que nós, descobriram isso e estão criando uma realidade paralela e nos aprisionando nela. Vejam a inteligência dos nomes que escolhem para suas bandeiras: Movimento Brasil Livre, Escola sem Partido. Ou para seus inimigos: Ideologia de gênero, feminazi. Quem pode ser contra que o Brasil seja livre? Quem pode advogar a ideia de que as escolas devem ter "partido"? Que melhor estratégia de desqualificar a urgente questão da desigualdade entre homens e mulheres que chamá-la "ideologia". Ou associar o feminismo ao nazismo? Ao invés de enfrentarmos os monstros reais estamos nos tornando fadados a lutar contra moinhos de vento. Ao invés de falarmos de desigualdade de gênero temos de convencer antes que não se trata de uma "ideologia"

Os imbecis e a internet

Tenho lido com frequência a afirmação de que essa imbecilidade e truculência que a gente vê nas redes sociais e nos comentários nos portais de notícias sempre existiram e que a internet só as colocaram na vitrine. Tipo não criou, propagou apenas. Pois eu estou na contramão. Penso que a visibilidade que a internet e, em particular, as redes sociais dão a esse tipo de comportamento cria sim esses comportamentos. Na exata medida em que os sancionam não apenas como algo natural  e aceitável mas como algo elogiável, algo a ser seguido. Essas pessoas que tinham essas opiniões, esses pensamentos mas os guardavam no fundo da sua alma ou no máximo os externavam aos familiares e amigos próximos se sentem agora legitimados, se sentem verdadeiros líderes, ou pelo menos membros da comunidade da gente de bem e dos defensores da família e dos valores cristãos. Isso não apenas engrossa a corrente como radicaliza posições. A publicidade, a sanção social do like, o número de amigos e seguidores que comp

A apatia

Muitos de nós temos nos perguntado pelos motivos da apatia política que se abateu sobre nós. Há as hipóteses de cunho psicológico (estamos cansados ou envergonhados). Eu tento outras explicações. Minha hipótese é que a população mais pobre raramente se mobiliza em grandes manifestações de massa no Brasil. São tão achacados, são tão humilhados, são tão destituídos de direitos que não confiam nesse instrumento para melhorar suas vidas. Desconfiam (com razão) do Estado, dos políticos, das lideranças sociais ou sindicais. Preferem acreditar que o próprio esforço os salvará, oxalá com a ajuda de deus e da igreja.  Outro extrato social recentemente bastante mobilizado, a classe média de direita que saiu às ruas envergando orgulhosa a camisa da CBF e bateu panela nas varandas país afora, só se mobiliza com temas de apelo moral. Assim foi em 1964 e em 2013/2015. Seu mote é sempre pelo fim da corrupção e "pela família". Ela se mobiliza quando sente medo e/ou se sente particularmente

A sala de jantar

Excursionando virtualmente dentro das casas e apartamentos da classe média alta curitibana (estou procurando outro lugar pra morar) percebi que estes dizem muito dos seus proprietários enquanto agrupamento social (pra não dizer classe). Sua tosquice política é só uma pequena parte do conjunto da obra. A noção do que é de bom gosto, chique é bastante limitada e controversa.  a) Todos os imóveis têm sancas de gesso. O must é o teto rebaixado com iluminação embutida. Quanto mai s curva e rebuscada essas sancas forem, mais chique é. Mesmo em cômodos de 10 m2, o que os torna claustrofóbicos (de onde sai essa referência destas malditas sancas, está nas novelas?) b) pisos de porcelanato bege é outra unanimidade. Ou pisos laminados que imitam madeira. Preferem retirar pisos originais de parquet para substituir por esses laminados ou porcelanatos. Creio que porque estes são homogêneos e teoricamente não riscam. O legal é ter um apartamento de 10 anos com cara de que saiu ontem da construtora,

Dependência de empregada

Dias destes vi um filme bem interessante. Histórias cruzadas (The help). É sobre uma jornalista branca do Mississípi que, nos anos 60, resolve escrever um livro sobre as empregadas domésticas e babás negras e suas relações com as famílias brancas para as quais trabalham. O ponto culminante de várias tensões que costuram a trama é a questão do banheiro das empregadas. Uma das mulheres da comunidade branca apresenta ao governador a proposta de tornar obrigatório um banheiro ex clusivo dentro das casas para as empregadas negras. Há imediato entusiasmo e adesão à ideia. Os banheiros são fora ou em anexos da casa. Em casas suntuosas, de várias dezenas e mesmo centenas de metros quadrados, os banheiros são pequenos, improvisados, sem acabamentos. A justificativa pública é a de as mulheres vão se sentir mais à vontade em seus próprios banheiros. A privada é que "essa gente" tem muitas doenças e representa ameaças à saúde das famílias. Uma forma de resistência persistente à luta pelo