Bolsonaro tem jogado xadrez e nós, jogo da velha
Subestimar o adversário é uma armadilha difícil de evitar. Principalmente se este articula mal as palavras, faz piadas como o tio do pavê e parece mesmo a própria encarnação deste, entre outros símbolos de indigência e tosquice.
A superioridade intelectual da
elite sudestina e suas sucursais lhe parece tão evidente que seria preciso
fazer um grande esforço desnarcizante para aceitarmos que ele está jogando um
jogo bem mais sofisticado que o nosso. Estamos
no jogo da velha, no amarelinha, na dama.
Digo isso porque a euforia com que
são recebidas pesquisas realizadas até aqui dando uma vitória folgada ao
ex-presidente Lula me dão nervoso. Penso que o otimismo nunca é bom conselheiro,
principalmente quando tanto está em jogo.
É certo que governar nunca foi muito a praia
do ex-capitão. Primeiro ele achou que poderia delegar para o Paulo Guedes.
Quando este se mostrou tão inepto quanto ele, jogou no colo do “centrão” a
tarefa e foi andar de jet-ski e de moto, além de fazer lives no Facebook. Há
quase trinta anos ele apenas gozava das benesses do poder sem ter quase nada de
trabalho. Sua produção como parlamentar sempre foi próxima de zero.
Mas, no mesmo período, ele se
especializou em fazer campanha. Aprendeu como poucos a jogar para a plateia, a
aumentar gradualmente seu capital político. Ele fez da vida pública um negócio
familiar e empregou 3 dos seus 5 filhos na firma dos legislativos. É uma
questão de tempo e idade mínima para que todos estejam empregados.
Jogar para a plateia, vulgo
marketing político, é o seu elemento. Quem faz disso seu modo e meio de vida
torna a rotina de fazer campanha sua segunda pele. Exemplo, ele foi eleito
presidente por uma maioria significativa. Mesmo assim, ato contínuo, quase
primeiro ato de governo, lançou no solo fértil das imaginações e das redes
sociais a semente da sua estratégia futura. Colocar em dúvida o resultado da
própria eleição. Pensa bem, quem faria isso sendo o vitorioso? Quem está
pensando uns dez lances à frente.
Em condições normais, o jogo
eleitoral se daria apenas entre o incumbente e os postulantes, nada de falar do
próprio jogo. Uma campanha à reeleição é quase um plebiscito. O governo
continua ou é substituído? É aprovado ou é reprovado?
Nas condições atuais que não tem
nada de normais, ele conseguiu criar outro nível de debate. Esqueça o
plesbicito. Em grande medida, a partida virou outra, conhecida como Golpe
versus Democracia. Nos meses anteriores e mesmo nos dias imediatamente
anteriores ao início oficial da campanha, se fala muito mais em golpe que em
inflação e desemprego. Isso não é pouca coisa, é mudar um paradigma.
Não se trata mais de reprovar um governo ou
apostar em outra proposta, mas de assegurar o cumprimento das regras do jogo. E
é em torno deste tema que até agora toda a oposição, mídia, sociedade civil tem
se organizado. “Estado de direito sempre” que o diga.
Bom, isso é sete a um contra nós.
Ao catalisar todas as atenções para
a defesa da democracia, os resultados concretos do seu governo ficam
obliterados. A oposição fica girando em falso falando do Estado de direito
enquanto o caminhoneiro, o taxista e o beneficiário dos programas sociais podem
sonhar com um governo Bolsonaro sem o “sistema” para lhe atrapalhar a vida.
Pior, Bolsonaro e cia foram tão bem-sucedido
em mudar o jogo que é quase impossível escapar de sua armadilha. Ou seria
possível deixar suas ameaças diuturnas sem resposta? Essa é a sinuca de bico.
Até porque não são meras palavras.
Eles têm método e calendário para bater a meta de não sair da presidência,
custe o que custar. É possível
vislumbrar que esse grupo desenvolve duas estratégias. As estratégias são 1)
ganhar a eleição via campanha; 2) levar no grito, no golpe, seja como seja.
Para a estratégia golpista há
vários planos que a essa altura já se tornaram meio óbvios. Provavelmente ele
vai tentar todos. Cada um a seu tempo.
No campo golpista, os planos
seriam, pelo menos:
1) Evitar
a realização das eleições por qualquer subterfúgio se as pesquisas continuarem
a apontar sua derrota;
2) Criar
um grande tumulto na semana anterior e no próprio 02 de outubro de modo a ter
margem para potencializar o ramerrame da falta de lisura das eleições em caso
de derrota;
3) Perdendo
no segundo turno, não aceitar o resultado e clamar novamente para um golpe que
aglutine a direita e o seu grupo de fanatizados.
É preciso reconhecer que o primeiro
plano está em vias de passar por sua segunda edição. Porque nos seus sonhos
mais megalomaníacos ele conseguiria o apoio das Forças Armadas e das PMs para uma
ditadura à moda antiga, estilo Pinochet. Tentou isso no 7 de setembro de 2021.
Queria ver o povo dele invadindo e saqueando o STF, tanques nas ruas,
confrontos, mortes, caos. Decretava estado de sítio, adiava as eleições e ia
tocando o barco com poderes excepcionais. Não deu, mas foi um belo ensaio. Vai
tentar de novo, porque essa é sua obsessão.
Mas as chances de isso dar o
resultado pretendido é cada vez menos provável. A “sociedade civil” representada
pela banca, pela Fiesp e que tais que apoiou sua eleição, zarpou. Não embarca
nessa. Não com um governo que provou não ter nenhum apreço pelo teto de gastos,
pelo equilíbrio fiscal, toda a cartilha poeirenta do neoliberalismo que eles
teimam em botar na mesa.
Não creio que isso o impedirá de tentar
realizar cada um dos planos à medida em que as eleições se aproximarem e sua
derrota continuar no horizonte. As opções de tentar melar as eleições e/ou seus
resultados são múltiplas. O clã tem a seu lado a força e o poder da presidência
da República, fundos públicos que se mostraram infinitos, conexões e assessoria
internacional. A extrema-direita nacional e internacional aposta em Bolsonaro e
não se pode esperar escrúpulos dessa gente.
Entretanto o grande risco, o maior,
sempre foi simplesmente ele ganhar a eleição. Está longe de ser impossível. É
preciso lembrar que o escrete de Bolsonaro tem dois times titulares. Bolsonaro
e filhos jogam na aposta golpe, mas Ciro Nogueira e Artur Lira são titulares do
time reeleição e estão batendo um bolão em suas manobras. Eles são pródigos em
fazer a Constituição caber no seu número. Emendas constitucionais brotam como
capim na roça deles. Compra de votos dentro de novas regras da eleição de 2022?
Temos! Ou tem outro nome a chuva de dinheiros que está inundando a economia em
pleno período eleitoral? É o estelionato eleitoral via derrame de verbas
públicas que está acontecendo sob nossos olhos neste mesmo momento.
É como se em seu tabuleiro houvesse
duas rainhas capazes de todos os movimentos, inclusive o plot twist
carpado.
Por isso, criar um fato político excepcional
em setembro para virar o placar da eleição antes de 02 de outubro, está bem
longe de ser impossível.
Assim, enquanto esse lado da
disputa é capaz de mudar as regras do jogo, ter várias cartas na manga e planos
a, b etc., do lado de cá, estamos cantando a velha canção de 1989 e usando
contra Bolsonaro o mesmo mote da eleição derrotada de 2018, a democracia contra
o fascismo, enquanto sonhamos com uma vitória no primeiro turno.
Cair na tentação do otimismo
ingênuo é uma armadilha que teremos de evitar.
O clã Bolsonaro nunca perdeu uma
eleição e para eles essa significa muito. Bolsonaro tem medo da prisão e afirma
dia sim, dia também que não acabará como Jeanine Añez. Do que será capaz para
evitar isso, quem viver, verá.
A grande questão será, portanto, estarmos preparados para
neutralizar o que virá. O que não será fácil, principalmente se lembrarmos mais
uma vez que ele tem a seu lado os profissionais mais experimentados da política
clientelística, entre outras forças.
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