Dependência de empregada

Dias destes vi um filme bem interessante. Histórias cruzadas (The help). É sobre uma jornalista branca do Mississípi que, nos anos 60, resolve escrever um livro sobre as empregadas domésticas e babás negras e suas relações com as famílias brancas para as quais trabalham. O ponto culminante de várias tensões que costuram a trama é a questão do banheiro das empregadas. Uma das mulheres da comunidade branca apresenta ao governador a proposta de tornar obrigatório um banheiro exclusivo dentro das casas para as empregadas negras. Há imediato entusiasmo e adesão à ideia. Os banheiros são fora ou em anexos da casa. Em casas suntuosas, de várias dezenas e mesmo centenas de metros quadrados, os banheiros são pequenos, improvisados, sem acabamentos. A justificativa pública é a de as mulheres vão se sentir mais à vontade em seus próprios banheiros. A privada é que "essa gente" tem muitas doenças e representa ameaças à saúde das famílias. Uma forma de resistência persistente à luta pelos direitos civis que está rolando no país, sob a liderança de Martin Luther King.
Lembrei disso ainda por causa da minha peregrinação pelas apartamentos da nossa bela cidade. A esmagadora maioria destes têm "dependências de empregada", jeito fino de descrever um quartinho de 4 m/2, via de regra sem janela, e um banheiro de pouco mais de 1m/2. A grande maioria em desuso porque há tempos a classe média não pode mais desfrutar do luxo da figura da empregada que dorme na casa. Mas estão lá, just in case. Inclusive em prédios construídos recentemente. Não dá pra ver isso e não pensar na casa grande e na senzala. Não dá pra ver isso e não pensar na resistência persistente contra todas as formas de igualdade social.
A arquitetura é uma das áreas em que o caráter de cada sociedade se plasma com mais rigor e vigor. (dez/ 2017)

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