As apostas insanas de Bolsonaro
Vivemos a semana da
infâmia. A semana em que o governo Bolsonaro ultrapassou com folga
sua própria marca de ignomínia. Foi um rosário de abjeções: a
medida provisória que permitia corte de salário por 4 meses, o
pronunciamento exortando as pessoas a abandonarem a quarentena, a
campanha “o Brasil não pode parar”, os sucessivos desafios a
governadores e prefeitos e, finalmente, o rolê em Brasília e na
Ceilândia. De domingo a domingo, ele se esforça para prover nosso
confinamento de um show de horrores.
Bolsonaro, cuja
racionalidade sempre foi colocada um pouco em dúvida, parece apostar
todas as suas fichas numa loucura coletiva sem precedentes.
Eleito presidente
meio no susto, a despeito de si mesmo e contra as previsões, soube
manter uma base de apoio de cerca de 1/3 do eleitorado desde o início
de seu governo, apesar de todas as trapalhadas, toda a ineficiência,
todas as medidas que contrariam o interesse popular. Copiando
literalmente as táticas de Trump de mentir descaradamente, semear a
confusão e principalmente fomentar o ódio e a polaridade, estava
caminhando triunfalmente para consolidar sua liderança e chegar a
2022 como o favorito para a reeleição. Flertava diligentemente com
o autoritarismo como forma de intimidação de seus adversários e
mobilização de seus apoiadores mais fanáticos. Um método polêmico
e perigoso mas eficiente.
Daí veio um vírus
que não estava no programa e ele, em vez de aproveitar a ocasião e
se portar como o presidente que liderou o país na guerra, como está
fazendo seu mentor, o que lhe custaria pouco, prefere ser o
presidente da imprudência, o presidente que desafia a ciência, o
presidente que se isola de todas as instituições e todos os atores
políticos. O presidente que aproveita uma calamidade pública para
dar um golpe. Exponencia a sordidez.
E é impressionante
como ele acredita na sua aposta. Pois não se trata apenas de
retórica, não se trata apenas de bravatas a seu estilo. O
pronunciamento, o vídeo e seu rolê deste domingo são um contínuo
de ações coordenadas que mostram o quão ampla e profunda é sua
aposta. Porque ele poderia ter sinalizado que a quarentena é danosa
para a economia e depois ter recuado. Sempre poderia dizer mais à
frente quando a derrocada chegar, porque ela chegará, que estava
preocupado com os empregos. Mas não. Ele insiste, ele incita, ele
quer realmente as pessoas na rua.
Quais são então
suas apostas? De um lado, é a de que os cadáveres não vão se
acumular nas calçadas mesmo que a população descumpra todas as
medidas sanitárias recomendadas pela OMS e pela experiência de
outros países, o que em si já é uma loucura. De outro lado, se
isso acontecer, a aposta de que não será responsabilizado,
apostando contra uma paixão humana fundamental, que é procurar um
culpado para as desgraças, ainda mais se este anda com um crachá no
pescoço, como é o caso. Ele aposta que as pessoas que atenderem o
seu chamado porque precisam fugir da fome vão relevar todos os
mortos que vão cruzar seu caminho. Ele aposta que o discurso liberal
da economia em primeiro lugar está tão entranhado em nosso
inconsciente coletivo que as pessoas, uma parte significativa delas,
vai tolerar, em nome disso, os familiares mortos, os amigos mortos,
os conhecidos mortos.
Finalmente, ele
aposta em esticar a corda ao máximo. Ele aposta na ruptura
institucional. Que no meio da desgraceira toda que está nos
espreitando na esquina ele sairá mais fortalecido, que haverá o
apoio necessário para um golpe. Esta é a única lógica possível
para suas ações ensandecidas. Porque, desde que a epidemia começou,
ele não apenas está queimando as pontes, o que já vinha fazendo há
tempos. Ele agora está queimando os portos e os navios. Ele se joga
no meio do oceano com a ideia de que o Titanic dos desvairados está
lá para salvá-lo, a si e à sua aventura.
Espero sinceramente
que ele afunde e apodreça no fundo do mar.
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