O fim de uma era
Meus amigos, meus
inimigos. Verdade que ando meio apocalíptica, mas ninguém há de me
condenar de desvairada nos tempos que seguem.
Os motivos de
esperança, se os houve em algum momento neste curto século XXI, já
se esvaíram no suspiro de nossa república moribunda. Como é
possível ter esperança se as ruas são tomadas por zumbis
convictos, capazes de ignorar toda razão, toda prudência, toda
vergonha para pedir e defender o inominável.
No momento de uma
pandemia que amedronta o mundo, o presidente vai à TV e em míseros
119 segundos pouco mais diz que a causa dos zumbis é válida. O
apocalipse não vem tanto do que ele diz porque pela repetição não
assusta mais ninguém (sim, a vírus que cria mortos-vivos se espalha
mais que o corona e estamos todos contaminados). A sensação de fim
do mundo vem de sua figura mesmo. A ausência de vida atrás daqueles
olhos vidrados, embaçados, rotos. Daquela boca que nada mais é que
um furo. Triste o país liderado por uma figura que perdeu a alma em
algum porão de tortura. Um zumbi puro sangue, transmitindo seu oco a
milhões.
Como é possível
ter esperança se o ocaso da civilização tal qual a conhecemos já
é tangível, já está no horizonte, tomado este pela fumaça cinza
do verde da Amazônia. Se já é possível ser divisado pelo degelo
dos polos, pela extinção em massa de animais e plantas construídos
pacientemente por milhões de anos pela natureza.
Como é possível
ter esperança se esse holocausto se casa com o da nossa civilização
tropical, com o fim da promessa que nossa morenice um dia deu ao
mundo de uma pluralidade, de uma diversidade que tornaria a
humanidade um lugar bom para se estar.
Não há esperança
possível e razoável se nosso modo de estar no mundo destrói esse
mesmo mundo.
Fracassamos como
país e perdemos como espécie. Passamos do ponto em que a volta é
possível. A era da abundância dos recursos ilimitados e da
esperança inconsequente e ingênua acabou.
Minha única dúvida
é se Bolsonaro é o sintoma do fim desse mundo iluminista ou se é o
zeitgeist do que está por vir.
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