As mulheres não estão se comportando bem

Quero dizer uma coisa. Está muito difícil ser mulher neste país. Não começou em 2018, mas se agravou desde então.
O presidente é um militante da promoção da violência contra nós, mulheres. Por palavras, gestos e ações ele não se cansa de mostrar seu desprezo pelas mulheres. As frases são conhecidas e já entraram para os anais da história do machismo e da misoginia no Brasil. As ações são institucionais: a mínima representação feminina não apenas nos cargos de primeiro escalão mas em todas as instâncias de governo; o item da reforma da previdência proposta por seu governo que permitia que mulheres grávidas trabalhassem em condições de insalubridade; o corte na verba do programa de prevenção à violência doméstica. Os exemplos práticos de uma política de rebaixamento simbólico e extermínio são muitos. 
Políticas de extermínio? Nossa, que exagero dirão alguns. Não é exagero. A maior parte das políticas de extermínio não pretende de fato exterminar, mas antes controlar, dirigir, criar submissão pelo medo e pelo terror.  E com é isso que nós mulheres convivemos diariamente no Brasil. Medo de sair de casa sozinha à noite e ser estuprada, medo de pegar um transporte público e ser assediada, medo de concorrer a uma vaga de trabalho e não passar no crivo estético do entrevistador, medo de engravidar e ficar sozinha com a criança, medo de começar uma relação e encontrar um homem violento e mesmo um feminicída. Os riscos são imensos. São cotidianos.  O que o Estado brasileiro tem feito para mitigar isso? Pouco, muito pouco. Pelo contrário, a violência é incentivada por ações e omissões. 
Enquanto isso, o terror se materializa para centenas de milhares de mulheres todos os dias no Brasil. São milhares as agredidas diariamente por seus parceiros. Segundo dados oficiais do Ministério da Saúde, uma a cada 4 minutos. Essas são as que acabam em hospitais.  São milhares de mulheres as estupradas anualmente. Em 2018, registrou-se oficialmente 180 estupros por dia no país. Destes, mais de 80% tem uma mulher como vítima. Um número que todos os especialistas concordam em ser sub notificado. Estimativas mais realistas consideram que o número pode ser dez vezes maior.  Em 2017, últimos dados compilados pelo Atlas da Violência, quase 5.000 mulheres foram vítimas de feminicídio no Brasil. E tudo indica que este número escandaloso deve ter aumentado nos dois últimos anos. Reportagens publicadas ao longo de 2019 em vários estados mostravam tendência de alta. Em matéria publicada em outubro de 2019 na Revista Exame dava conta de que, segundo dados da Central de Atendimento à Mulher – Ligue 180, serviço do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, a cada 2 horas havia uma denúncia de feminicídio ou tentativa de feminicídio. Um aumento de mais de 270% em relação ao ano anterior. Outras formas de violência também são conhecidas: cerca de 500.000 mulheres realizam abortos clandestinos todos os anos, colocando seriamente sua vida em risco.
As diversas violências cometidas contra as mulheres que têm explodido no país têm algo em comum. São reações misóginas e extremas a uma constatação. As mulheres não estão se comportando bem. São insubmissas, são desbocadas, são libertinas. Como disse Bolsonaro com seu enorme poder de representação do pensamento médio brasileiro, ao justificar o corte nos programas de proteção a mulheres: não é investimento público que vai resolver o problema da violência contra as mulheres. É uma questão de postura, de comportamento. Se as mulheres se comportassem, nada disso lhes aconteceria. E sim, neste quesito, ele fala em nome não apenas dos bolsonaristas. Ele fala em nome de uma parte enorme da sociedade brasileira. 
A opinião pública brasileira, eivada por uma estrutura rigidamente patriarcal, também pensa que algumas mulheres merecem ser estupradas. Quando menos, por não ter resistindo o suficiente; no mais das vezes porque estava no lugar errado, na hora errada e com a roupa errada.  O assédio, por sua vez, é visto num gradiente que vai de um cumprimento à beleza da mulher a uma reação justificada a seu comportamento não recatado. As reportagens que noticiam diariamente casos de feminicídio reiteram a indicação de uma escusa para o assassino. Fulano foi abandonado pela namorada. Fulano foi traído pela esposa. Fulano não aceitou a separação. O mesmo procedimento de uma justificativa prévia não é encontrado quando se trata de  outros crimes. Esse traço de responsabilização das mulheres pelos males sofridos por elas vai do mais brutal ao mais sutil. Se há um caso de infidelidade conjugal, a culpa é sempre da mulher. A traída não conseguiu segurar seu homem, a outra é uma destruidora de lares. 
O retrato da violência e de sua justificação é este, mas ele está em franca transformação e isso tem levado os homens à chamada crise da masculinidade, ou mesmo, em alguns casos, ao pânico. 
O fato é que as mulheres estão mudando e estão começando a não aceitar esse lugar no qual  estivemos desde sempre. Desde os anos 60, as mulheres têm vivido uma ampliação significativa de de seus graus de liberdade. Os anticonceptivos, a entrada no mercado de trabalho, o divórcio mudaram a forma como vemos o mundo. Nos últimos anos, o feminismo contribuiu não apenas para a ampliação de direitos das mulheres, mas também de sua autoconsciência e da compreensão das estruturas do mundo em que vivemos. As mulheres estão reivindicando não apenas o mesmo tipo de liberdade sexual e de costumes conferido aos homens mas também os mesmos salários, os mesmos cargos, a mesma repartição de poder, a mesma cota de  trabalho doméstico. E também o direito de dizer não. Dizer não a relacionamentos abusivos ou assimétricos em direitos e deveres. Dizer não ao desrespeito, à objetificação. Cada vez mais não aceitamos que os homens ou um homem nos digam como viver.  
E é exatamente contra isso  que todos os homens que se sentem ameaçados se insurgem. Estão perdendo espaço, perdendo poder, perdendo sua posição de macho dominante. Estão vendo seu comportamento e seus privilégios postos em xeque. Alguns reagem dizendo atrocidades, outros batendo, estuprando e mesmo matando. Estão em busca de um mundo que está em seu crepúsculo. Este mundo está morrendo e esses homens embebidos pelo machismo e pela cultura patriarcal não sabem encontrar o novo. Não sabem se adequar a um mundo mais plural e mais equitativo. 
As mulheres temos sofrido e vamos continuar a sofrer na pele essa violência continuada. Mas ela não será permanente. Somos a maioria da população, somos a maioria dos eleitores, somos mais escolarizadas, somos mais longevas. As mulheres estão descobrindo a força que têm e vão levar esse mundo velho de roldão.  

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