As lições aprendidas pelos Bolsonaro

Em maio de 2017, vazou o áudio de um diálogo entre Michel Temer e Joesley Batista em que se revelava  a promiscuidade escandalosa entre o público e o privado. Joesley Batista, dono da JBS, empresa bilionária do setor de alimentos, frequentava o Palácio do Planalto em altas horas e fora da agenda oficial para tratar de seus interesses e das propinas pagas a outros políticos, como o ex-presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, já preso. Ficou famosa a frase do presidente, “tem de manter isso aí, viu?”.

O mundo veio abaixo. Um colunista do Globo chegou a afirmar que Temer renunciaria, e o grupo Globo começou uma campanha por sua renúncia. Houve muito baralho. Mas todos conhecemos o desfecho dessa história. Temer teve  sangue frio para deixar a poeira assentar e terminou seu mandato tranquilamente. 
Cito este entre dezenas de outros exemplos recentes de como, no mundo contemporâneo  da internet e das redes sociais, nada permanece por mais de algumas horas ou dias na pauta. E quando sai da pauta, desaparece. Glenn Greenwald, que colocou em xeque o esquema global de vigilância americano com o caso Snowden, mal conseguiu arranhar a reputação de Sérgio Moro.  Longe dos olhos, longe do coração. Ou como diria Marx, tudo que é sólido desmancha no ar.  
A primeira lição que os Bolsonaro aprenderam no manejo das redes sociais e da comunicação é que não importa o tamanho da bomba, ela pode ser neutralizada ou mesmo jogada a seu favor.  Desenvolveram intuitivamente, ou não, um método para isso. 
Uma tática deste método é aparentar um recuo. Como quando Eduardo Bolsonaro defendeu a adoção de um novo AI5 para conter  manifestações populares e depois se disse mal interpretado. A tática de se dizer mal interpretado e fazer cara de indignado por isso, é usada reiteradamente. Outra tática é atribuir a responsabilidade a terceiros.  Como quando Bolsonaro disse que sabia o que tinha havido com o pai de Felipe Santa Cruz, presidente da OAB, desaparecido durante o regime militar, para afirmar, em seguida, que a organização de que ele fazia parte seria a responsável por sua morte. A mesma manobra foi usada quando atribuiu a ONGs o início das queimadas que seu governo incentivou ou quando eximiu-se da responsabilidade de ofender Brigitte Macron.   
A principal tática desse método, contudo, é o bombardeio. Desde o início deste governo, não há semana em que um membro dele não lance um torpedo sobre nós. Pode ser a Damares com sua pauta ultraconservadora e suas bizarrices, pode ser Weintraub com suas grosserias e tentativas patéticas de mimetizar Bolsonaro, pode ser o próprio atacando as mulheres, a imprensa e os jornalistas ou, ainda, Guedes com suas frases sobre os funcionários públicos parasitas ou sobre o absurdo de domésticas irem a Disney. A fábrica de grosserias, preconceitos, insultos e afins é a unidade mais produtiva do governo.
O fato é que os Bolsonaro descobriram que não há absurdo grande o bastante para freá-los. Pelo contrário, o hiperbólico, a mentira, a calunia e até o escatológico os ajuda. Esse método não apenas mantém sua alcateia de seguidores sedentos de sangue sempre alerta, como  também mantém o restante dos informados em indignação permanente, incapazes de mobilizamos esforços e energias para nos contrapor. Estamos tão estarrecidos com o que é dito que não conseguimos opor nada ao que é feito. Ao nos obrigar a responder aos seus comandos, eles se mantêm maestros. Sequestraram nossa atenção, nossa agenda, nossa possibilidade de construir alternativas. 
Claro que não é apenas isso. Claro que  abaixo da zoeira o governo governa para alguns e por isso existe o apoio institucional das Forças Armadas, o apoio do mercado e da mídia, o apoio das elites. Mas o governo faz a parte dele com uma competência exemplar.  Destruiu o mercado formal de trabalho e a previdência social (ambos com a colaboração ativa do Congresso, diga-se de passagem) e está caminhando a passos largos na destruição do SUS e do que restou da educação pública e da cultura. 
Como se opor a isso? Essa é a pergunta que todos fazemos. A única resposta que me ocorre é  construir um puxadinho no departamento da indignação e criar o de projetos, de articulação, de estratégias. Melhorar o de comunicação, que só tem falado com os convertidos.  Precisamos, antes de tudo e urgentemente, construir uma oposição digna deste nome. Se não, vamos continuar a dançar essa música psicodélica que nos mantém em transe.

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