As metades da laranja

Quando Deus fez as metades da laranja não pensou que uma pequena imprecisão, aliada às mazelas da razão e da sensibilidade, poderia gerar incontáveis desacertos. A engenharia humana é falha. Pontes e edifícios caem. Mais falha ainda é a arquitetura. O mundo é povoado por equívocos de concreto e aço. A laranja exigiria uma argúcia da qual somos desprovidos. Seguimos erráticos, procurando cegos aquele ou aquela que nos falta. Um belo dia, não importa se ensolarado ou chuvoso, encontramos nosso tesouro. A outra laranjinha incompleta. Daí nos embebedamos de nossa descoberta. Passamos noites em claro e dias insones, tomados de alegria e de outra coisa desgovernada para a qual nem temos um nome. Foi a mágica, foi o milagre.
E passam os dias e passam as noites. 
A alegria vai se tornando amarga e o encaixe parece falhar, como as dobradiças da velha porta que começa a ranger. A outra metade  perfeita  não era a nossa. O plano divino, sua diligência em que não nos faltasse nada, derrapou na execução. Mas a promessa, o horizonte nos impele. Quem sabe na próxima esquina, quem sabe na próxima vida. 
Viver a incompletude é nosso destino mais sagrado.

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