Minha memória mais antiga é de um objeto verde. Um pedacinho
de plástico qualquer que achei no quintal da casa para onde a família se
mudara. Um monte de terra e um brinquedinho improvisado. Devia ter 2 anos. Ou 3.
Anos passaram e deles restaram umas poucas fotos em branco e preto. Delas saem umas lembranças
fabricadas de vestidos azul, lilás, vermelho. Todos com babados e cianinhas. Coisas
que caíram em quase desuso. As avós caprichosas do interior ainda as
utilizam em panos de pratos. Aqueles de saco alvejados e algum bordado. Nas fotos, cabelinho alinhado com as pontas
para cima, como as estrelas de hollywood
dos anos 50. Grace Kelly. Nunca sorrindo. Aprendi a sorrir para as fotos
depois dos trinta e cinco. Descobri que era o jeito de parecer bonita. Antes,
apenas as evitava. Mas aquele verde me persegue. Tento encontrar o tom e a forma. Ele foge na incerteza de uma coisa lembrada ou sonhada.
Para olhar o demônio nos olhos
Nesta semana houve uma sensação compartilhada de que Bolsonaro atravessou mais uma vez o ponto da saturação. Muita coisa que tem dito e feito nos últimos 7 meses é insuportável, é inaceitável, é inacreditável. Mas ele segue impávido, colosso na sua estupidez e na sua determinação de mostrar sem pudor sua face ignóbil: o monte Everest da sua monstruosidade repetida a cada dia, camada após camada, seu esforço de nos levar a todos para sua latrina mental e moral. Ele aposta no efeito “entorpecimento” coletivo, na normalização do absurdo. Como se, pela repetição, a capacidade de indignação e a força que ela pode carregar se esvaísse em estupefação. Lobotomizadas por doses diárias do hediondo, as pessoas adoecem ou se fecham em suas vidas privadas e preferem não saber, tanto quanto possível. Eu penso que essas formas de reação podem realizar entre nós um tipo de distopia imaginada apenas no terreno da ficção. Um país gigantesco com uma população enorme de zumbis, incapazes ...
Comentários
Postar um comentário